quarta-feira, 11 de novembro de 2009

AS ORIGENS DO MINDERICO

Sobre a formação e o desenvolvimento do minderico os dados históricos são praticamente nulos. Ninguém sabe ao certo como apareceu, esta linguagem que considero uma riqueza de Minde. Pensa-se que o início do que foi designado o calão minderico foi nas feiras e que tenha sido criado por um grupo de mindericos para comunicarem entre si sem serem percebidos utilizando-o no negócio à medida que havia mais gente nas feiras, tanto da parte de compradores como dos vendedores. Havia um grupo de mindericos que se dirigia a uma qualquer feira no Alentejo, indo todos no mesmo transporte o comboio ou a camioneta da carreira, cada um com o seu lote de mantas e sonhando com o melhor lugar para se colocar, facto muito importante para um bom negócio. Havia necessidade de criar uma linguagem que servisse para comunicarem entre si e que os compradores não entendessem. O calão minderico possivelmente não nasceu todo de uma vez como um manual que se escreve, se decora e se põe em prática. Deve ter nascido aos poucos, crescendo cada vez mais, acertando pormenores com os resultados obtidos. Não estava escrito passava-se de boca em boca, transmitindo-se aos frequentadores de outras feiras mais distantes. Cada um participa no jogo com a sua criatividade inventando formas mais simples ou mais ajustadas. Pensa-se até que além do calão oral houvesse uma linguagem de gestos, que se tornasse mais rápida e mais difícil de entender. Mas assim sendo, nos dias de hoje custa a perceber porque é que uma linguagem de feirantes e para o fim a que se destinava necessitava de tantos termos. Pelo exposto julga-se que tenha havido outros interesses e adaptações no que concerne à criação de novos termos e à sua utilização fora do contexto para que fora criado o calão minderico. Supõe-se que a partir de uma linguagem simples inicialmente destinada aos feirantes alguém mais erudito que os feirantes a agarrou e fez dela algo mais completo, desconhecendo-se com que finalidade. Sabe-se que só em finais do século XIX apareceram os primeiros relatos escritos sobre esta linguagem, através de diversos depoimentos de Jesus e Silva que dava bastante ênfase a tudo o que a Minde dizia respeito e descreveu as actividades mindericas por esse Portugal fora. Algumas palavras são testemunho da época em que podem ter entrado em uso. Provavelmente a mais comum de todas é o nome atribuído a um padre "Francisco Vaz". Sabemos que o padre Francisco Vaz foi uma personagem muito popular em Minde, sendo pessoa muito activa em meados do século XVIII. Também é da mesma época um alfaiate de nome João Cardoso que foi testemunha de uma inquirição em 1722 e que pode ter dado origem ao termo "cardosas", as calças em calão minderico, hoje simplesmente minderico por já não ser um calão pois deixou de estar associada a um grupo restrito de pessoas que o falavam, mas sim uma língua embora ainda não reconhecida oficialmente. Outras palavras que podem relacionar-se com as pessoas são bastante mais recentes como o Cego Ferreira, o touquim, o Achega, o Zégrego ou a Migança. É possível que a génese de outras palavras se pudesse por este método situar no tempo, mas faltam estudos sobre a matéria. Algumas palavras há certeza que são recentes, porque os conceitos que exprimem são do século passado, mas de longe a maior parte desconhece-se quando nasceu. Derivam de nomes, de objectos ou de localidades e não encontram uma ligação temporal que nos forneça qualquer testemunho válido. É suficientemente rica para poder ser usada numa conversação comum, mesmo para fins diferentes daqueles para que se julga ter sido criada, como bem o provaram Jesus e Silva, José António de Carvalho e o estudioso da matéria Dr. Miguel Coelho dos Reis. É evidente que, em muitas circunstâncias, tiveram de usar circunlóquios - expressões compostas de várias palavras para designar o conceito, por falta de palavra adequada, noutros casos construíram eles próprios as palavras a partir de outras já existentes demonstrando a criatividade ainda hoje utilizada. Mas a verdade é que o esquema funcionou e é hoje possível verificar nos textos de cartas que estes especialistas trocaram entre si e que se encontram publicadas como apêndice nos vocabulários existentes e noutras publicações de índole local. Com o passar dos anos houve necessidade de fazer adaptações, como aliás acontece em todas as línguas e utilizando o critério anteriormente descrito foram adicionados novos termos, como por exemplo o xambel de estribo-telemóvel, criado a partir dos termos já existentes anteriormente xambel-telefone e estrbibo bolso. Vistas bem as coisas muitos termos do calão que podem à primeira vista parecer puras coincidências, talvez não o sejam. Há na sua origem uma certa forma de sentir e de viver a vida. Mais do que acasos, talvez sejam verdadeiras expressões de mentalidade do homem minderico. Podemos notar que este modo de ser e de viver se retrata ainda hoje na conversação dos mindericos.Em conversas de café ou de banco de jardim juntam-se dois ou mais mindericos e o diálogo é uma sucessão de "fitas", seja o tema futebol, política ou malhas. Interpelam-se uns aos outros quase como se fossem adversários a um grito responde-se com outro grito mas no final tudo acaba num copo, porque é simplesmente o feitio e os hábitos dos mindericos. Três nomes já mencionados foram exemplo no estudo, utilização e divulgação do calão minderico. São eles Jesus e Silva que nos deixou em textos dispersos várias notícias sobre a matéria e que trocou correspondência em calão, hoje em parte reproduzida nos vocábulos editados. Da mesma forma José António de Carvalho, um "carola" de tudo o que foi respeitante a Minde, desde o início da primeira metade do século passado, autarca num período em que ser autarca local era quase ser um mendigo junto da autarquia do concelho. Além de autarca a sua mão esteve em tudo o que a Minde dizia respeito na primeira metade do século. Colectividades como a banda e a Casa do Povo estiveram sempre nas suas preocupações. Estudioso e conhecedor do calão, também trocou cartas com os outros estudiosos. Por último o Dr. Miguel Coelho dos Reis, advogado natural de Pernes e com escritório em Santarém, ganhou gosto pelo calão ao conversar com os mindericos nas antigas edições da Feira do Ribatejo, onde sempre compareciam a tentar vender mantas. Dessa conversação nasceu o seu interesse pela matéria e deu-se ao trabalho de, metodicamente ir anotando tudo o que aprendia com os mindericos. Dos seus apontamentos, oferecidos ao Museu Roque Gameiro, derivou a primeira edição impressa do calão minderico e sobre ela com mais aperfeiçoamento se fez a segunda e as posteriores, encontrando-se a última ainda disponível para aquisição na sede do Centro de Artes e Ofício Roque Gameiro (CAORG), entidade que tem feito grande esforço para conservar esta preciosidade local. Não podem ser esquecidos os nomes de Mário Pereira da Rosa que tem conseguido fazer divulgação do calão minderico nas diversas feiras gastronómicas onde compareceu como proprietário do Restaurante " A tasca do Xaral do Ninhou", aproveitando para fornecer aos clientes as ementas do seu restaurante escritas em calão minderico. Cid Manata Pires como entusiasta na preparação da última edição elaborada e sobretudo do Professor Abílio Madeira Martins a quem recorrem todos os que procuram alguma informação sobre a matéria, sendo autor de vários termos introduzidos recentemente no calão minderico, todos de fino gosto e perfeita adequação aos métodos que terão presidido à formação dos vocábulos do calão tradicional.

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